Quando um fotógrafo sai para fazer uma matéria para um jornal, muitas fotografias são feitas: dezenas, as vezes, até centenas (sempre fui exagerado; sempre tive um dedo rápido, muito nervoso; depois das câmaras digitais, então, essa tendência foi potencializada!).

Poucas destas fotos feitas numa típica saída fotográfica, porém, realmente vão parar no jornal, seja impresso, seja online. Em geral, apenas uma única foto é escolhida e publicada; algumas vezes duas fotos chegam à edição; raramente mais que isso.

Assim, a grande maioria das fotos vai parar no limbo do fotojornalismo...

Muitas vezes, uma foto que o fotógrafo nem gosta muito acaba sendo publicada – as vezes por bons motivos.

As vezes a matéria feita nem chega a ser publicada – algumas matérias simplesmente ‘caem’ (como se diz na redação). Mas ficam as fotos, algumas muito legais.

Eu sinto muito por estas fotos não publicadas. Sinto também pelos personagens que entrevistamos e fotografamos. Eles sempre ficam na expectativa de “sair no jornal”. Nem todos saem. Alguns são citados, mas não aparecem em fotos; outros nem citados são, ficam totalmente fora da matéria. E lá se vai a oportunidade aos ‘minutos’ de fama a que deveriam ter direito.

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Tentarei publicar aqui alguma destas fotos – pelas fotos e pelas pessoas que, do contrário, permaneceriam esquecidas no meu arquivo fotográfico.

Para começar, apresento aqui as fotos de uma matéria que fizemos sobre a economia no sertão da Bahia, já publicada aqui no blog no link abaixo:

http://dotempoedaidade.blogspot.com/2010/01/terca-15-dez-09-goncalo-jornal-o-estado.html

Nesta matéria fizemos fotos de várias pessoas e da pequena vila do Gonçalo, no município de Caen – sertão da Bahia, perto de Jacobina.

A foto publicada pelo jornal foi de fato a minha favorita – vocês podem ver no link acima.

Abaixo, junto com o texto original da matéria, do repórter Tiago Décimo, outras fotos que nunca foram publicadas no jornal...

O termômetro marcava 42 graus no início da tarde de uma terça-feira de dezembro no distrito de Gonçalo, o mais populoso do município de Caém (BA), 330 quilômetros a noroeste de Salvador, em pleno sertão baiano. O céu sem nuvens fazia com que a maioria dos quase 3 mil moradores do pacato local se escondesse em suas casas, para fugir do calor. O ambiente hostil, porém, não desestimulou um grupo de quatro vendedores de consórcio de uma concessionária de motocicletas com presença nas principais cidades da região – Jacobina, Senhor do Bonfim, Irecê e Capim Grosso.


Eles atravessaram a estrada de terra de 12 quilômetros, que liga o lugar ao vilarejo mais próximo – o distrito de Paraíso, município de Jacobina – para satisfazer o novo sonho de consumo dos habitantes do povoado. As bicicletas, que ainda são o principal meio de transporte no distrito, pouco a pouco estão sendo deixadas de lado. “A promessa de vendas compensa o esforço”, justifica Manoel Vitor, um dos vendedores – que não entra em detalhes, temendo a cobiça da concorrência.


A situação é nova e reflete uma pequena revolução em andamento no sertão baiano. Gonçalo ainda desconhece o asfalto. As duas praças principais e as ruas que fazem a ligação entre elas são calçadas com paralelepípedos. O resto das vias é de terra batida. O lugarejo tampouco recebe sinal de telefonia celular. Telefone fixo ainda é luxo para poucos. Os que precisam se comunicar recorrem aos orelhões ou às cinco centrais telefônicas. É em locais como esse, porém, que se percebe mais facilmente o impacto do crescimento de renda das populações mais carentes.

Os seguidos aumentos do salário mínimo acima da inflação – o que eleva também a remuneração dos aposentados –, o acesso facilitado a empréstimos e o fortalecimento de programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, são apontados como os desencadeadores das mudanças, vistas, sobretudo, nos últimos três anos.


Até recentemente, Gonçalo não passava de um conjunto de casas pobres, todas térreas e coladas umas às outras, dividindo paredes, habitadas por trabalhadores rurais. A população era abastecida por dois mercadinhos, ambos com jeitão de boteco. Comunicação com o “mundo exterior”, só por meio de cartas, recolhidas duas vezes por semana pelos Correios, pelas centrais telefônicas ou pela visita de parentes de outros lugares.


Itens mais “nobres”, de remédios a materiais de construção, só na sede do município – quando não apenas em Jacobina ou em Salvador. “A gente daqui não sabia o que era um frango congelado ou uma calabresa, nem conseguia comprar roupas no lugar”, lembra o comerciante Amilton de Queiroz Souza, de 35 anos. “O que se consumia era, basicamente, o que era produzido pelas fazendas da região (especializadas sobretudo em pecuária de corte e leite).”


NOVO COMÉRCIO


O panorama tem mudado rapidamente. Souza, por exemplo, notou que os moradores aproveitavam o gradual crescimento de renda para reformar suas casas ou construir imóveis e montou a primeira loja de material de construção no local, há cinco anos. Hoje, emprega duas pessoas – ele procura um terceiro funcionário – e fatura entre R$ 40 mil e R$ 50 mil mensais. Também montou uma farmácia no local. Em janeiro, ela passa a funcionar como posto bancário. “É um lugar carente desse tipo de serviço.”


Irmão de Souza, Angelo Marcos de Queiroz, de 37 anos, está há 15 à frente de um dos mercados pioneiros na cidade, que leva seu sobrenome. Em meados de dezembro, deixou de lado o imóvel antigo, que mais parecia um galpão de beira de estrada, para inaugurar um novo estabelecimento, já assemelhado aos supermercados de cidades maiores.


O novo ponto foi construído exatamente do lado do antigo. “Temos de modernizar, porque todo mundo melhorou de vida e já consegue comparar nosso comércio ao de outros lugares”, conta. De acordo com ele, o faturamento da loja “é o dobro” do registrado há cinco anos.





Moradores, como a sorridente aposentada Alaíde Dias da Silva, de 64 anos, vão com cada vez mais frequência à loja. “Compro mais porque a aposentadoria está maior”, simplifica. “Já passei por muito aperto na vida, mas agora consigo pagar as contas e comprar coisas, para mim e para meu filho.”


Em um local carente de quase tudo, o campo é grande para ser desbravado pelos empreendedores locais. Iniciativas começam a surgir, na forma de uma loja de eletrodomésticos, duas de roupas, duas lan-houses ou na recém-inaugurada loja de informática – montada pela popularidade instantânea conseguida pelos pontos de acesso público à internet.


Em um deles, chamado Prisma Multiservice, aberto há três meses, os sete computadores ficam em uso o dia todo. Os clientes são, basicamente, os adolescentes do lugar, que já pegam gosto pelas redes sociais. “Tenho uma namorada que conheci pela internet”, gaba-se Moiseis Melo Muricy, de apenas 12 anos. Em sua tela circulam, basicamente, perfis de Orkut, Facebook e outros sites do gênero.


A poucos metros dali, Veracy Brasileiro, de 44 anos, decidiu abrir uma loja de roupas em um pequeno imóvel localizado em ponto nobre: uma das duas praças do local. Para ela, o investimento é lógico. “Uma passagem a Jacobina custa R$ 12,00”, faz as contas. “Ir lá para comprar roupa dá prejuízo, com certeza.”


Até itens mais supérfluos, como sorvetes, começam a aparecer no distrito. Que o diga João Vítor Ferreira Matos, de 32 anos, que inaugurou há dois meses a primeira sorveteria-lanchonete do local. Ele faz parte de uma nova geração de moradores do Gonçalo: a dos que foram tentar a sorte em outro lugar e, com saudade “de casa” - ou problemas de adaptação -, resolveu voltar.


“Fui para São Paulo jovem, comecei lavando carros, depois limpando um restaurante, até que virei cozinheiro”, conta. “Passei pelas cozinhas da TV Cultura e do Palestra Itália, mas resolvi voltar por causa dos meus sogros, que já estão mais velhos.”


Foi no estabelecimento de Matos, o Danipan, que os vendedores de consórcios de motocicletas resolveram se alojar para um merecido descanso do trabalho sob o sol do sertão. “Está tudo indo muito bem, as pessoas estão com mais poder aquisitivo do que no tempo que deixei isto aqui para trás”, afirma o empreendedor. “Se não fosse assim, eu não poderia ter voltado. Talvez só para Salvador.”


PROBLEMAS


Apesar do crecimento do comércio, o incremento da capacidade de consumo – em especial por meios não diretamente relacionados à produção, como nos casos de sistemas de distribuição de renda do governo e de empréstimos – começa a causar problemas até para um distrito em que praticamente todo mundo se conhece.


Queiroz, por exemplo, alega que o Bolsa Família está desestimulando as pessoas a procurar emprego. “Claro que ajuda a circular dinheiro, mas cria um problema: ninguém mais quer saber de trabalhar”, afirma. “Tenho vaga em aberto e estou perdendo funcionários. Eu contratava um rapaz na minha panificação que sabia o trabalho, mas não queria fazer, porque preferia receber ‘esse negócio aí’. O governo deveria investir mais fortemente em produção, mesmo.”


Os empréstimos, em especial os consignados, para funcionários públicos e aposentados, também causam temor na vila. “Isso é uma bomba de efeito retardado”, avalia Souza, da loja de construção. “O pessoal vê a facilidade de pegar R$ 4 mil ou R$ 5 mil, para pagar em quatro ou cinco anos, e vai fazendo dívida, achando que assim é mais fácil fazer uma casa para um filho. Está errado – e eles vão acabar vendo isso.”


Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, o município de Caém tinha, no ano passado, 10.417habitantes. Praticamente todas as famílias do local, 3.135, foram cadastradas como de baixa renda – renda familiar per capita menor ou igual a meio salário mínimo – e, dessas, 58,85% (1.845) recebem o Bolsa-Família.